sexta-feira, 9 de julho de 2010

História do ensino de Filosofia no Brasil

No Brasil, nunca se deu a devida atenção ao ensino de Filosofia. Sua presença nos currículos escolares, até as últimas décadas foi marcada por bastante inconstância, retardando, assim, o desenvolvimento de um projeto educativo em sua totalidade.

Foram os missionários jesuítas, durante o período colonial, os maiores responsáveis por iniciá-lo no Brasil. Porém, ele era oferecido somente aos latifundiários, enquanto que a maior parte da população – negros, índios, mestiços e pobres – recebia unicamente a catequese cujo principal objetivo era apenas a conversão dos considerados gentios. Não havia interesse em dar uma verdadeira instrução escolar para a população marginalizada. Caso isso acontecesse, ela não se submeteria servilmente à vontade da metrópole colonizadora. Esta situação se prolongou ainda durante muito tempo, mentendo um grande número de pessoas excluído dos benefícios deste ensino.

Depois disso, houve muitas reformas educacionais, mas nenhuma delas priorizou de forma decisiva a disciplina de Filosofia, até porque os planos educativos não estavam peocupados com o incentivo ao livre-pensamento e à formação crítica dos cidadãos.

É somente a partir do governo de Getúlio Vargas, caracterizado por inúmeras mudanças no âmbito educacional, que é dada uma maior credibilidade à Filosofia. Em 1942, ela passa a integrar como disciplina obrigatória o currículo do colegial. Em 1961, porém, de acordo com a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (Lei nº 4024/61), esta disciplina deixa de apresentar um caráter compulsório e passa a fazer parte do quadro das disciplinas “complementares”.

No auge da ditadura militar, em 1968, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais com o patrocínio da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro realizou um fórum de debates denominado “A Educação que nos convém”. Na oportunidade, o então ministro Roberto Campos abordou o tema: “Educação e Desenvolvimento Econômico”. Em suas palavras tornaram-se evidentes as intenções de organizar um ensino de segundo grau em vista do mercado de trabalho, caracterizado pelo tecnicismo: um ensino voltado para a estabilidade e desenvolvimento econômico. Em meio a este comtexto de supervalorização da técnica, às disciplinas da área de ciências humanas foram acrescentados elementos práticos e tecnológicos, fazendo com que perdessem um pouco de sua natureza humanista.

Três anos depois, em 1971, vivenciando ainda a repressão e o autoritarismo do governo militar, a Lei nº 5692/71 afasta de vez a Filosofia do currículo oficial escolar sendo substituída pela Educação Moral e Cívica. Esta decisão do Poder Público indignou muitos professores participantes da Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficos – SEAF. Na década de 1980, eles se articularam para exigir de alguns órgãos de imprensa publicações referentes ao assunto. Assim, em 28 de dezembro de 1981, o Jornal do Brasil divulgou um editorial acerca das deficiências do ensino de segundo grau, defendendo que as suas causas residiriam no processo de múltipla escolha do vestibular. Uma vez inserido neste processo, o aluno era levado a memorizar fórmulas e conceitos já prontos sem questionar-se a respeito de sua veracidade e sem preocupar-se com o cultivo do próprio raciocínio. Para este problema, o referido editorial propõe uma solução: “ é essa deformação pedagógica que o estudo da Filosofia pode ajudar a corrigir...”

Passado o período militar, em 1988, tem origem na Câmara dos Deputados um novo projeto de LDB para a educação nacional brasileira. No mesmo ano, na cidade de Porto Alegre/RS, a Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação – ANPED promoveu encontros nos quais se discutiu o início dos trabalhos para o projeto. Aprovado na Câmara dos Deputados somente em 1993, ele contemplava em seu artigo 48º, inciso IV a implementação das disciplinas Filosofia e Sociologia como obrigatória nas séries de segundo grau. No entanto, um outro projeto de lei foi exposto, e quase que imposto, pelo Senador Darci Ribeiro do PDT do Rio de Janeiro para substituir àquele aprovado pelos deputados. Mesmo não fazendo nenhuma referência à disciplina de Filosofia, este projeto foi aprovado pelo Senado e regressou à Câmara dos Deputados tendo como relator o Deputado Federal José Jorge do PFL de Pernambuco. Na Cãmara, foram propostas algumas emendas para melhorar o projeto. Modificado e sancionado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, em 20 de dezembro de 1996, o projeto transforma-se na Lei nº 9394/96, ou seja, na segunda LDB da Educação Nacional, vigente até os dias de hoje.

Concernente ao ensino de Filosofia, ela nada traz de importante. Apenas afirma no artigo 36º, § 1º, inciso III que “os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando demonstre: domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania”.


Analisando a redação do texto da lei, o professor Celso João Carminati enuncia:

Pode-se entender [...] que a Filosofia não tem mais sentido como disciplina específica no currículo, mas que, a partir disso, seja possibilitado àqueles professores que irão lecionar no segundo grau (insinua que todos os graduados tenham alguma formação filosófica) conteúdos filosóficos e sociológicos capazes de ajudá-los na formação dos estudantes secundaristas. Ou seja: a formação filosófica passa a ser papel e dever de todos os professores e não de um profissional específico.


O problema da exclusão da Filosofia das escolas não se restringe somente aos estudantes do ensino médio, mas afeta de forma bastante negativa os graduandos nesta disciplina. Sobre isto, Carminati conclui:

[...] a sorte dos cursos universitários de Filosofia depende em parte dos cursos de Filosofia no segundo grau. Se houver redução do mercado de trabalho para os formados em Filosofia, terá pouco sentido o investimento e a manutenção desta área de saber a nível superior, o que poderá representar, na prática, o fechamento de muitos deles.



Gustavo Melo


Fontes

CARMINATI, Celso João. O ensino de Filosofia no segundo grau: do seu afastamento ao movimento pela sua reintrodução. (Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficos). Florianópolis(SC): Universidade Federal de Santa Catarina. 1997.

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